Desafios regulatórios da tokenização de ativos reais
Presente nas finanças descentralizadas há muitos anos, a tokenização de ativos reais (RWA) chama atenção das instituições tradicionais. Esse avanço tecnológico exige atenção especial das autoridades, especialmente devido à sua natureza híbrida.
Para fins didáticos, este artigo ilustrará o atual cenário regulatório brasileiro, bem como de que forma ele está se adaptando à tendência. Existem alguns detalhes que precisam ser considerados antes de levar bens reais ao universo digital por meio da tecnologia blockchain.
Classificação jurídica dos tokens
RWA refere-se a representações digitais de ativos físicos ou financeiros já consolidados. A forma como esses ativos digitais são processados pode alterar drasticamente a sua natureza jurídica.
Por exemplo, imóveis podem ser particionados em unidades muito pequenas e serem negociados em bolsa ou em exchanges de criptomoedas. Da mesma forma, títulos de dívida pública podem ser tokenizados, tornando-os mais acessíveis ao grande público.
Estes são alguns exemplos práticos de tokenização de ativos reais:
- Valores mobiliários: tokens que conferem direito a voto, participação de lucros ou expectativa de retorno sobre um investimento são diretamente regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM);
- Bens móveis/imóveis: caso uma propriedade seja fracionada, entender de que maneira os tokens se correlacionam com sistemas de registro tradicionais, como cartórios, pode levantar discussões;
- Meio de troca: caso o token seja adicionalmente projetado como um meio de troca, a regulamentação deixa exclusivamente de estar na alçada do Bacen, podendo ingressar em normas e regras específicas do Banco Central do Brasil (BCB).
Certos projetos incorporam várias características simultaneamente, o que pode causar confusão durante o processo de licenciamento e registro. O marco regulatório brasileiro, embora avançado, ainda precisa aparar algumas arestas para evitar problemas futuros.
Tokenização de ativos reais: principais considerações
Segundo o Controller da Transfero, João Carlos Almada, “é fundamental que a gente tenha regras mais claras e específicas para o mercado de tokenização de ativos, especialmente os imobiliários. Hoje ainda há muita incerteza regulatória, o que naturalmente afasta iniciativas mais sérias ou as leva para fora do país”.
O processo burocrático ainda é um obstáculo, segundo Almada, e afeta tanto o registro dos ativos quanto a forma como eles são distribuídos e comercializados no Brasil. “Simplificar a solicitação de oferta pública, por exemplo, faria uma grande diferença”, ressaltou.
Outro ponto é a questão tributária. Desenvolver sistemas de arrecadação mais claros e eficientes faria com que essa nova infraestrutura de dados fosse integrada às necessidades essenciais da Receita Federal.
O tipo de tecnologia conta
Cada ecossistema blockchain possui uma arquitetura única para lidar com tokenização. A regulamentação adequada de cada projeto depende da correta escolha de cada um deles. Os exemplos abaixo estão entre as arquiteturas mais utilizadas atualmente (dentro da rede Ethereum):
ERC-20 (Tokens Fungíveis)
Ideais para representar ativos que podem ser divididos em partes iguais e idênticas, como commodities (ouro, prata, cobre etc.). Contudo, de maneira geral, tokens ERC-20 não atendem às necessidades de conformidade regulatória (KYC/AML).
ERC-721 (Tokens Não Fungíveis)
Indicado para representar ativos únicos e indivisíveis, como obras de arte, imóveis inteiros e colecionáveis. Assim como o ERC-20, o ERC-721 exige camadas adicionais para atender às necessidades regulatórias.
ERC-1155 (Tokens Multi-Padrão)
Esta arquitetura permite gerenciar tokens fungíveis e não fungíveis em um único contrato inteligente. É uma das mais indicadas para o setor imobiliário, pois tokens fungíveis podem representar frações de um edifício, enquanto outro não fungível representaria a propriedade completa.
ERC-1400 (Security Tokens)
Esta arquitetura é utilizada para representar valores mobiliários tradicionais, incorporando funcionalidades necessárias para ir de encontro à conformidade regulatória. Ações, títulos e debêntures podem ser tokenizadas e emitidas sob rigoroso controle.
ERC-3643 (Tokens Permissionados para RWA)
Neste padrão, a identidade e a conformidade das representações digitais são destaque. Ele está se tornando cada vez mais relevante no mercado RWA, pois verificações de identidade e anti-lavagem de dinheiro podem ser incorporadas nativamente no token.
“O ERC-20, por exemplo, é ideal quando se quer representar frações de um imóvel ou de um fundo imobiliário tokenizado”, disse Almada. “Ele é muito seguro e interoperável dentro do ecossistema DeFi, mas oferece pouca representação direta do imóvel em si. Já o ERC-721, por ser não fungível, funciona muito bem quando o objetivo é tokenizar um imóvel específico como um ativo único, com metadados próprios, como matrícula, localização e documentos”.
Por outro lado, a arquitetura ERC-1155 exige um nível de implementação mais sofisticado, o que pode acarretar desafios técnicos e operacionais adicionais. A busca por um custo-benefício equilibrado depende da compreensão sobre cada arquitetura à disposição, bem como das necessidades de cada projeto.
Tokenização de ativos reais: Brasil busca referências
Tanto o BCB quanto o Bacen buscam inspiração em modelos internacionais para construir a legislação correta. A FINMA (Autoridade Supervisora do Mercado Financeiro Suíço) é referência global sobre o tema, com uma abordagem amigável às tecnologias emergentes.
Para testar algumas das práticas já executadas no exterior, o Brasil tem utilizado sandboxes regulatórios. Esses ambientes controlados permitem verificar a viabilidade de certas aplicações de leis antes de serem incorporadas oficialmente por meio das autoridades competentes.
Em relação à tokenização imobiliária, Almada acredita que a integração do setor com o DeFi é promissora. “A partir do momento em que conseguimos representar imóveis tokenizados de forma segura e confiável, eles passam a ser colateralizáveis dentro do ecossistema DeFi. Isso abre espaço para uma série de inovações, como empréstimos colateralizados por imóveis tokenizados, liquidez via pools e até staking de tokens imobiliários com geração de rentabilidade”, analisou.
Ainda segundo o especialista, o país está nos estágios iniciais desse processo de integração. No entanto, caso as coisas continuem caminhando de acordo com o plano, será possível observar vários protocolos descentralizados incorporando ativos do mundo real de forma mais robusta.
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