É possível acabar com a lavagem de dinheiro?

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Crimes financeiros não são novidade do mundo moderno. Um dos primeiros casos documentados da história data de 300 a.C.: Hegestratos, um mercador de navios grego, contratou um seguro marítimo para afundar intencionalmente sua embarcação, ficar com o dinheiro do empréstimo e vender separadamente os grãos que seriam transportados, configurando ganho duplo na operação.

Desde os primórdios da civilização, maus atores fazem uso de sua criatividade para burlar regras em benefício próprio. Atualmente, com uso de tecnologias, governos e empresas trabalham para prevenir atividades ilícitas.

Com o surgimento das criptomoedas, a atenção das autoridades foi redobrada. Alguns ativos são capazes de realizar movimentações completamente anônimas e certas aplicações dificultam a localização da origem do dinheiro, como mixers de criptomoedas. Métodos e ferramentas são abundantes e estão à disposição dos criminosos, assim como de quem busca trabalhar de maneira legítima.

O combate à lavagem de dinheiro foi um dos temas abordados pela Transfero durante o Websummit Rio 2025, contando com a presença de especialistas sobre o tema.

Combate à lavagem de dinheiro é um processo complexo

Construir e executar mecanismos de compliance robustos exige tempo, investimento e doutrinação para entender os padrões utilizados dos criminosos e utilizar as ferramentas adequadas para combatê-las. No caso das corporações, Isso também envolve o treinamento de colaboradores para a aplicação de mecanismos internos de segurança.

Da esquerda pra direita: Aaron Stanley, Armand Kurath, Guilherme Murtinho e Tatiana Guazzeli

“Crypto’s Dark Side: Can We Stop Money Laundering?” (Lado Sombrio do Cripto: Podemos Parar a Lavagem de Dinheiro, em tradução livre)”, disse Guilherme Murtinho, CMO da Transfero. “Quando iniciamos a Transfero no Brasil, não havia regulamentação alguma. Por conta disso, precisamos buscar bons exemplos praticados no exterior e trazê-los à realidade nacional. Hoje, o marco regulatório avançou. Muitas coisas precisam melhorar, claro. Porém, em comparação com o cenário anterior, sobretudo em questões de compliance, houve uma grande evolução”, completou.

A falta de regulamentação deu abertura para algumas decisões unilaterais polêmicas. Entre 2018 e 2020, várias contas bancárias vinculadas a exchanges e outras provedoras de serviços de ativos digitais (VASPs) foram bloqueadas, muitas vezes sem uma razão clara. À época, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) chegou a abrir inquérito para investigar possíveis atos anti concorrência.

Durante esse mesmo período, esquemas criminosos se pulverizaram rapidamente: Unick Forex, Grupo Bitcoin Banco e Atlas Quantum conseguiram lesar centenas de milhares de clientes no Brasil, causando prejuízos que, somados, alcançaram a casa de dezenas de bilhões de reais. A Atlas Quantum chegou a realizar agressivas campanhas publicitárias em uma grande emissora de televisão, o que potencializou o alcance do esquema.

Esses episódios serviram para abrir os olhos das autoridades e da iniciativa privada, que agora trabalham ativamente para construir um arcabouço legal sólido, capaz de atingir os interesses tanto das empresas quanto dos consumidores.

Adaptando o antigo ao novo

Tatiana Guazzeli, perita em direito empresarial e membro da Pinheiro Neto Advogados, comentou que, “se olharmos para as finanças tradicionais, há mecanismos sólidos para combater crimes financeiros, como lavagem de dinheiro. É o caso de práticas como KYC (Conheça Seu Cliente) e AML (Anti-Lavagem de Dinheiro)”. Estes estão sendo adaptados à realidade prática e técnica das criptomoedas, cujo processo de emissão e utilização são substancialmente diferentes em relação às moedas estatais.

Por exemplo, ativos descentralizados são desenvolvidos, controlados e emitidos de forma independente, sem a presença de bancos centrais ou demais instituições regulatórias. Plataformas digitais de investimentos e negociações de criptoativos também podem ser construídas sob a mesma estrutura distribuída. Nesses casos, o processo regulatório precisa ser adaptado a essa realidade inevitável.

Existem inúmeros mecanismos para o combate à lavagem de dinheiro, tanto sistêmicos quanto comportamentais, dentro das finanças tradicionais. Muitos deles podem ser aplicados às finanças descentralizadas, desde que devidamente adaptados.

“No fim do dia, as ferramentas para combater crimes de lavagem de dinheiro já existem, mas tudo depende de como elas são configuradas. No entanto, sob o ponto de vista de compliance, trata-se de um conjunto de sistemas e comportamentos que devem ser inseridos no cotidiano”, analisou Armand Kurath, fundador da Gecko Compliance.

Estrada pela frente

O jornalista Aaron Stanley, do Brazil Crypto Report, questionou sobre quais lacunas precisam ser preenchidas em relação ao combate contra crimes cibernéticos. “Acho que faltam dados suficientes para metrificar crimes com criptomoedas. A Chainalysis faz bem o seu papel, mas é preciso alcançar o próximo nível e expandir o alcance”, disse.

De maneira geral, os mecanismos regulatórios internacionais ainda não alcançaram a maturidade necessária para prover dados sólidos a respeito do tema. No entanto, grandes iniciativas legais, a exemplo do Markets in Crypto-Assets (MiCA), da União Europeia (UE), podem explorar essa necessidade ao longo dos anos.

Por outro lado, países favoráveis às criptomoedas já podem começar a desenvolver os seus próprios mecanismos de auditoria e compliance. Isso viabiliza a criação de uma interoperabilidade jurídica de larga escala entre diferentes países, por meio do cruzamento de dados estatísticos confiáveis.

Com essa força global – que está em construção, na visão dos especialistas -, será possível prever com maior precisão não apenas crimes de lavagem de dinheiro, como também outras naturezas de embustes. Assim, mesmo quando os usuários forem vítimas de maus atores, eles poderão buscar os seus direitos para tentar reduzir os danos sofridos, permitindo que tanto a criptoeconomia como a economia sejam melhor protegidas.

O post É possível acabar com a lavagem de dinheiro? apareceu primeiro em PanoramaCrypto.

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  • 29 de Abril, 2025