Juiz do Canadá abre precedente contra bloqueio de criptomoedas

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Bancos do Canadá poderão congelar contas bancárias de manifestantes sem autorização judicial; entenda

Os bloqueios de fundos doados em criptomoedas para caminhoneiros canadenses, que se popularizaram em 2022, foram considerados inconstitucionais. De acordo com o juiz Richard Mosley, a decisão do governo do primeiro-ministro Justin Trudeau de evocar a Lei de Emergência para congelar contas bancárias e criptomoedas viola a constituição canadense.

A decisão atual não tem validade jurídica para o que aconteceu, pois o governo Trudeau já revogou a Lei de Emergência. No entanto, ela impede que esta lei volte a servir como instrumento para atos semelhantes, pois abre um precedente legal.

Entenda o caso

Durante a pandemia de COVID-19, o Canadá ganhou repercussão internacional devido às manifestações de caminhoneiros que assolaram o país. Os caminhoneiros protestavam contra a exigência de se vacinar para poder cruzar a fronteira com os Estados Unidos. Muitos rejeitaram a vacina por entender que sua obrigatoriedade feria a liberdade individual.

Em 2022, o protesto dos caminhoneiros logo se transformou em uma manifestação que tomou o país. Eles ficaram conhecidos como Freedom Convoy, ou Comboio da Liberdade, e receberam apoio de parte da população. Milhares de canadenses começaram a arrecadar fundos e doações de alimentos e vestimentas para apoiar o comboio.

Após a decisão de protestar contra a medida, o Comboio da Liberdade bloqueou as ruas de Ottawa com os seus caminhões e foram apoiados por um número significativo de pessoas.

Recorrendo ao financiamento com criptomoedas

Para continuar o protesto, os caminhoneiros precisavam de dinheiro para pagar alimentação, acomodação, honorários de advogados e assim por diante. Os apoiadores do movimento estavam ansiosos para fazer doações, mas o governo Trudeau baixou a Lei de Emergências e agiu. Logo, vários participantes do movimento viram suas contas congeladas, sem poder acessar seu próprio dinheiro.

Como resultado, os representantes do protesto anunciaram que também receberiam doações em criptomoedas. E a medida foi um sucesso imediato. Uma das campanhas chegou a arrecadar nada menos que 21 BTC, o que daria mais de R$ 4 milhões em valores atuais.

Em resposta, o governo canadense ampliou sua interpretação da Lei Canadense de Emergências, permitindo-lhes congelar as transações em criptomoedas e outras denominações. Com isso, exchanges que operavam no Canadá tiveram que acatar a ordem e bloquear fundos ligados aos participantes do comboio.

A Associação Canadense de Liberdades Civis (CCLA) condenou imediatamente o ato, assim como figuras da criptoeconomia, como o ex-CEO da Kraken, Jesse Powell. Inclusive, Powell alertou os usuários que sacassem suas criptomoedas da exchange, pois ele teria que entregá-las ao governo se este os obrigasse.

Mas na quarta-feira (24), uma decisão do Tribunal Federal do Canadá determinou que o uso da Lei de Emergências para congelar transferências com criptomoedas era inconstitucional. O juiz Richard Mosley afirmou que protesto não se qualificou como emergência nacional e, portanto, não cabia o uso da Lei de Emergências.

“Não houve nenhuma emergência nacional que justificasse a invocação da Lei de Emergências e a decisão de fazê-lo foi, portanto, irracional”, disse Mosley.

A CCLU, que – entre outros – apresentou um pedido de revisão judicial quase imediatamente após o anúncio das medidas, também divulgou um comunicado sobre o assunto, agradecendo ao tribunal a análise cuidadosa da situação.

“Os poderes de emergência são necessários em circunstâncias extremas, mas também são perigosos para a democracia. Eles devem ser usados com moderação e cuidado. Eles não podem ser usados nem mesmo para enfrentar uma manifestação massiva e perturbadora se isso pudesse ter sido resolvido através de policiamento regular e leis”, afirmou a entidade.

Por fim, Mosley afirmou que o governo deve demonstrar que existe uma emergência decorrente de ameaças à segurança do Canadá e que essa emergência tem verdadeiramente um âmbito nacional. A Justiça Federal concordou que o Comboio da Liberdade não atingiu esse ponto, o que invalida o uso da lei.

 

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  • 25 de Janeiro, 2024