Os desafios da regulamentação cripto no Brasil, segundo Maria Luciana Souza

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Em 2022, foi aprovada a Lei nº 14.478, também conhecida como Marco Legal dos Criptoativos. Embora se trate de um avanço necessário para a segurança jurídica das empresas ligadas ao universo cripto, algumas questões ainda não estão sendo tratadas com tanta clareza como deveriam.

Sem diretrizes claras para modelos descentralizados e sem uma estratégia educacional estruturada, a adoção consciente dessa tecnologia fica comprometida. O Brasil está diante do desafio de equilibrar inovação, segurança e previsibilidade regulatória sem sufocar o potencial transformador do setor.

Compreender a dinâmica dos mercados tradicionais e descentralizados é necessário para haver uma coexistência harmoniosa no que se refere à regulamentação cripto. Com isso, os processos legislativos poderão ser traçados com maior precisão e de acordo com as reais necessidades das empresas e dos usuários.

Regulamentação cripto e educação: complementares

uma balança da justiça com moedas de bitcoin ao lado e ao fundo gráficos financeiros ilustrando o conceito de regulamentação cripto
Imagem gerada por Inteligência Artificial

“Se pensarmos somente em blockchain, não temos muitas oportunidades de regulamentação no Brasil. A ideia da tecnologia é, em teoria, a construção de uma aldeia global: a formação da autonomia dos indivíduos em suas tomadas de decisões”, comenta a advogada e professora Maria Luciana Souza, que foi diretora de Inclusão Digital e Inovação da OABRJ entre 2012 e 2024.

Por este motivo, os “cripto fundamentalistas” (usuários que acreditam fielmente no poder transformador da tecnologia) costumam interpretar a regulamentação cripto como ineficaz ou mesmo desnecessária. Em contrapartida, existe todo um arcabouço jurídico necessário para a manutenção da soberania econômica nacional.

Enquanto as mudanças ocorrem de maneira bastante acelerada nos ecossistemas blockchain, elas ocorrem mais lentamente quando a obtenção de registros e licenças se fazem presentes. Acompanhar a inovação pode ser um verdadeiro desafio para as autoridades.

No entanto, a especialista destaca que o Brasil tem uma vantagem em relação a muitos países desenvolvidos. “Os brasileiros lidam muito bem com a inovação. O Pix é um ótimo exemplo disso. O Relatório Anual de Autorregulação Bancária da Febraban reforça essa tendência, destacando o crescimento acelerado das soluções digitais e sua influência na segurança e experiência do usuário”, diz.

Com uma população altamente propensa a abraçar novas tecnologias, o Brasil pode servir de exemplo em regulação cripto para outros países, bem como para blocos econômicos já estabelecidos, como a União Europeia (UE).

O estabelecimento de limites saudáveis

Por se tratar de uma tecnologia dinâmica e difícil de ser acompanhada em tempo real, a regulamentação precisa levar em conta certos detalhes. Existem algumas limitações técnicas que simplesmente não podem ser extrapoladas pelas autoridades.

“Embora algumas soluções pareçam simples, os desafios jurídicos e técnicos do setor cripto são significativos. A regulação não pode se limitar a impor restrições aos modelos descentralizados sem considerar suas especificidades. É essencial investir na educação sobre criptoativos para capacitar tanto usuários quanto profissionais”, alerta Maria Luciana.

A blockchain desafia a regulamentação tradicional. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige que exchanges cruzem dados de usuários com o governo em determinadas circunstâncias. Contudo, esse tipo de medida pode ser impossibilitada em exchanges descentralizadas, como a dYdX, que não possuem um registro formal de empresa; logo, elas não fazem parte de nenhum escopo legal específico.

Portanto, a melhor solução, de acordo com a especialista, não seria regulamentar estes modelos descentralizados de negócios, mas desenvolver iniciativas educacionais, a exemplo do Transfero Academy, que sejam capazes de alcançar todos os interessados por esse mercado. Essas podem ensinar tanto os benefícios quanto os riscos envolvendo criptomoedas e plataformas não regulamentadas, além de preparar talentos para o mercado de trabalho.

“Os mecanismos de regulamentação estão sendo repensados justamente para fugir dessa tradição financeira, onde tudo é controlado diretamente pelo Estado. Com essa mudança de perspectiva, é possível que ambas as realidades coexistam”, cita a acadêmica. 

Um foco especial sobre a população desbancarizada

A tecnologia blockchain, segundo a especialista, pode ser decisiva na inclusão da população que ainda não possui conta em banco. De acordo com o último Relatório de Cidadania Financeira, emitido pelo Banco Central do Brasil (BCB), o percentual de relacionamento de adultos com instituições financeiras se aproximou dos 96% em 2020. Ainda pode haver cerca de 6 milhões de adultos sem acesso a serviços financeiros.

Desde a pandemia da COVID-19, os brasileiros passaram a buscar soluções digitais não apenas para trabalhar, como também realizar transferências mais rápidas e de baixo custo. Contudo, crises econômicas globais levaram muitos investidores a fazerem aplicações em criptomoedas e outros tipos de ativos digitais para proteger seus patrimônios e capitalizar em períodos difíceis.

Moedas virtuais, como o bitcoin (BTC) e o ether (ETH), foram construídas sob uma ótica descentralizada e distribuída: isso significa que não há um único ponto de controle por trás do fornecimento e execução desses ativos, assim como não há uma autoridade central que as controle. Elas têm o potencial de revolucionar a maneira como o dinheiro é utilizado, especialmente em regiões de menor acessibilidade.

Da mesma forma, as stablecoins podem proporcionar a segurança tecnológica das criptomoedas e a estabilidade das moedas nacionais, como Real Brasileiro, Dólar e Euro. Ativos como o BRZ são capazes de garantir que usuários de todas as camadas sociais, desde as comunidades ribeirinhas às grandes metrópoles, tenham acesso adequado ao dinheiro.

Caso o governo continue no caminho mais brando em relação à regulamentação cripto, é provável que, nos próximos anos, produtos e serviços possam ser pagos por meio de ativos digitais mesmo nas regiões mais remotas, beneficiando tanto consumidores quanto empreendedores de todos os portes e segmentos.

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  • 9 de Abril, 2025